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Oportunidades e melhorias para uma Educação Antirracista no novo PNE

Embora o novo Plano Nacional de Educação (PNE) não traga expresso em seu texto de objetivos os aspectos da Educação Antirracista e das Relações Étnico-Raciais, agora há um olhar mais amplo e, ao mesmo tempo, mais direcionado para as desigualdades e para as necessidades de reparação. Ainda que um texto que visibilizasse, especificamente, tais termos (“Educação Antirracista” e “Relações Étnico-Raciais) fosse de suma importância para que se inscreva em nós, educadores, fazedores educacionais e gestores, um olhar mais objetivo e, portanto, um compromisso mais crítico com esta agenda, uma vez que o racismo, no Brasil, é a raiz de todos os males e está no ponto central das desigualdades.

De acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2024, das 8,7 milhões de pessoas que não completaram o Ensino Médio, 72,5% eram negras. Para o estudo, considerou-se o grupo etário de 14 a 29 anos. 

As escolas públicas de Educação Básica com alunos majoritariamente negros têm piores infraestruturas de ensino comparadas a unidades educacionais com maioria de estudantes brancos. Das escolas do país com melhores infraestruturas, 69% são as que têm a maioria dos alunos brancos. Além disso, 74,69% das escolas majoritariamente brancas têm laboratório de Informática - entre as de maioria negra, são apenas 46,9%.

Quando o quesito é a presença de biblioteca, 55,29% das escolas de maioria branca possuem bibliotecas, enquanto menos da metade das de maioria negra (49,8%) contam com o equipamento. As diferenças também são notadas em relação à existência de quadras de esporte: aproximadamente 80% das escolas majoritariamente brancas têm, enquanto entre as de maioria negra são apenas 48%1

Estes são alguns exemplos que demonstram a necessidade de objetivos específicos de Educação Antirracista no texto das políticas públicas de educação. Por outro lado, há de se reconhecer que os movimentos para a qualidade da educação, que deve ser antirracista, estão numa crescente no Brasil. Desde o surgimento da Lei 10.639/2003 e da Lei 11.645/2008, as conquistas têm se ampliado, ainda que em ritmo insuficiente para a gravidade que é o racismo no Brasil.

Estas conquistas e movimentos podem ser percebidos no texto do novo PNE, no que se refere aos seus objetivos: 

Alfabetização: a atual proposta divide o objetivo de alfabetização em duas etapas: alfabetizar 80% das crianças até o final do 2º ano do Ensino Fundamental, em cinco anos, e alcançar 100% de alfabetização, em até dez anos. Esta divisão é importante porque a alfabetização de crianças negras demanda letramento racial, olhar de cuidado para os impactos da desigualdade, que afetam a aprendizagem da criança, e as inseguranças (alimentar, de infraestrutura, segurança pública, saúde mental e emocional). Tudo isso afeta crianças e jovens de todas as idades, mas a primeira infância e a infância são severamente afetadas por essas violências. A alfabetização precisa caminhar de mãos dadas com outros aspectos da vida social. Criar objetivos mais realistas e que considerem as diferentes realidades sociais tem mais potencial de ampliar as chances dessas crianças, de fato, aprenderem, e não de tornar a educação mais um trauma. 

Educação Infantil: universalizar a Pré-escola para as crianças de quatro e cinco anos marca um importante momento para a aprendizagem e inserção da criança na escola. Se conseguirmos garantir que a base educacional, a estrutura da escola, a formação dos professores e gestores serão as mesmas, este será importante fator de diminuição da desigualdade.

Ensino Fundamental e Médio e a universalização dos acessos: os acessos não estão disponíveis para todas as crianças e jovens da mesma forma, justamente porque eles partem de lugares diferentes. Muitos jovens negros analisam onde e o que vão estudar, a partir de, por exemplo, sua necessidade de começar a trabalhar mais cedo. Ou, ainda, a depender da segurança ou insegurança dos bairros onde moram. Estar acessível e ter acesso não é a mesma coisa, principalmente quando se é um jovem negro, no Brasil. Uma educação brasileira que não reconhece isso não poderá jamais fazer uma boa educação para todos.

Educação Integral: a matrícula em tempo integral é, sem dúvida, uma conquista, mas há de se pensar, ainda, como podemos garantir que esses alunos possam, efetivamente, estar na escola integralmente, com saúde. Jovens negros precisam trabalhar mais cedo - formal ou informalmente. Jovens negros que se permitem estudar, muitas vezes, adoecem emocionalmente, pela culpa de não estarem “ajudando em casa’’. Esse adoecimento ainda é invisível. E, assim, abre-se espaço para a educação gerar o trauma de “ter deixado em casa’’ alguém desamparado. Este jovem negro adoecido cresce sem, muitas vezes, descobrir porque o prazer de estudar tem também um sofrimento. A Educação Integral e sua ampliação são importantes, seja por aumentar oportunidades, seja para afastar das violências jovens e crianças negras. Mas ainda há uma grande parcela que não pode acessar. É preciso cuidar de quem está dentro e de quem está fora da Educação Integral. 

Ensino Médio, Educação Profissional, Educação Superior e Diversidade e Inclusão: estes são alguns dos mais importantes objetivos, que têm potencial de promover uma Educação Antirracista no novo PNE. O texto traz a ampliação do acesso, aliada a uma análise sobre a diversidade e inclusão, de modo que se amplie a permanência desses estudantes, em todos os níveis educacionais. Aqui, temos o reconhecimento de que a entrada é importante, mas a permanência é fundamental. A atenção e o cuidado para a permanência cabem em todos os objetivos do novo PNE. 

Conectividade e tecnologia: alunos negros têm menos acesso à tecnologia nas escolas2. O objetivo do novo PNE de assegurar conectividade à internet para 50% das escolas e educação digital para 60% dos estudantes poderá contribuir ativamente para o antirracismo digital.

Avançamos com o novo PNE. Há conquistas importantes e que, também, nos apontam o que ainda carece de mais intencionalidade para a Educação Antirracista, que deve ser  um ato contínuo. Há de se falar nas bibliografias que estudamos com os alunos e as que os professores estudam para dar aula, por exemplo. Demanda tempo. É um caminhar que não tem data exata para acabar. O racismo é um sistema que se reinventa, que inova, que cria novos métodos e novas linguagens para se perpetuar em novos tempos. Não usa as mesmas roupas, não tem o mesmo vocabulário de antes, mas, ao contrário, se atualiza. É preciso, então, andar à frente dele, prever, diagnosticar, antecipar-se às suas articulações. Disso depende uma educação justa.

Janine Rodrigues Educadora, especialista em relações étnico-raciais, escritora e psicanalista. Fundadora da Piraporiando. 
  1. Fonte: Observatório da Branquitude. A cor da infraestrutura escolar: diferenças entre escolas brancas e negras (2024). Disponível em: https://observatoriobranquitude.com.br/a-cor-da-infraestrurura-escolar-diferencas-entre-escolas-brancas-e-negras/.

  2. Fonte: Insper - Centro de Gestão e Políticas Públicas, Núcleo de Estudos Raciais. Tecnologia e desigualdades raciais no Brasil (2024). Disponível em: https://www.fundacaotelefonicavivo.org.br/wp-content/uploads/pdfs/PESQUISA_Tecnologia_Desigualdades_Raciais_no_Brasil_completa_DIGITAL.pdf.

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